sábado, 20 de novembro de 2010

Análise da cena "O CORREGEDOR E O PROCURADOR"



O Corregedor
O CORREGEDOR E O PROCURADOR
[Esta cena] forma um amplo quadro da Justiça humana, que Gil Vicente opõe à Justiça divina.
O Corregedor aparece-nos carregado de processos (feitos) e com uma vara na mão. Pouco depois, junta-se-lhe o Procurador, que vem abarrotado de livros. Ambos dialogam com o Diabo em latim jurídico deturpado, que tem função cómica e também caracterizadora.
A principal e quase única acusação que o Diabo lança ao Corregedor é a de não ter sido imparcial nas suas sentenças, deixando-se corromper por dádivas recebidas até de judeus. Parece que uma das prendas mais generalizadas era a perdiz, o que originou a célebre exclamação do Diabo: Oh amador de perdiz...” [v. 607].
O Corregedor não nega esta acusação e limita-se a atirar as culpas para cima da mulher. Era ela quem recebia as prendas e, por isso, ele sentia-se isento desse pecado.

Tal como na cena V [vv. 308-319], também Gil Vicente foca a confissão das almas pouco antes de falecerem. O problema é resolvido aqui deste modo: o Corregedor confessou-se mas ocultou todos os seus roubos, enquanto o Procurador nem sequer se confessou porque não se apercebeu que havia chegado a sua hora derradeira. Interessantes ainda dois pormenores a que vamos dar o devido relevo: o neologismo descorregedor, com forte carácter satírico, e o diálogo final entre o Corregedor e a Alcoviteira. O juiz do tribunal terreno torna-se réu no tribunal divino.
O Procurador


Merece ainda referência a pergunta formulada pelo Corregedor, inquirindo do Diabo se não existia lá meirinho do mar. Trata-se de um hábito adquirido no desempenho da profissão que o tipo não abandona mesmo depois da morte. Mais uma vez o Parvo se confunde com o Diabo quando insulta e injuria o Corregedor e o Procurador.
Observamos finalmente que, não obstante Gil Vicente ter dedicado ao Corregedor e ao Procurador igual número de versos, este aparece-nos com muito menos realce do que o seu companheiro.
Mário Fiúza, in op. cit.

(extraído do manual escolar Com todas as letras - 9º ano, da Porto Editora)

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