sábado, 20 de novembro de 2010

Análise da cena "A ALCOVITEIRA"



A ALCOVITEIRA (BRÍSIDA VAZ)

A ALCOVITEIRA (BRÍSIDA VAZ)
A Alcoviteira é um dos tipos mais interessantes do teatro vicentino. Estas mulheres dedicavam-se a fazer casamentos, a desencaminhar mulheres casadas e solteiras e a lançar rapariguitas na prostituição. Como esta profissão estava proibida por lei, para não caírem na alçada da justiça, fingiam que se dedicavam a bordar e a fabricar perfumes e cosméticos. O povo tachava-as de bruxas ou feiticeiras.
 É o tipo que nos aparece, neste auto, com mais elementos distintivos e caracterizadores. É um autêntico carregamento deles: além das moças que prostituía, transportava consigo seiscentos virgos postiços, jóias e vestidos roubados. Para poder montar o negócio no outro mundo, levava ainda uma casa movediça, um estrado de cortiça e dez coxins.
A linguagem que a Alcoviteira emprega, nomeadamente com o Anjo, funciona também como elemento distintivo. Trata-se de uma linguagem melíflua, lisonjeira, repleta de termos carinhosos, embora empregados hipocritamente. É de notar como a Alcoviteira tenta cativar o Anjo, chamando-lhe mano, meus olhos, minha rosa, meu amor, minhas boninas, olhos de perlinhas finas, etc. Seria certamente com esta lábia que ela conseguia atrair as jovens à chamada vida fácil.
A defesa arquitectada e posta em prática pela Alcoviteira revela mentira, hipocrisia, descaramento. Considera-se uma mártir por ter sido açoitada diversas vezes e compara a sua missão à dos apóstolos. Chega até a afirmar que converteu mais moças do que Santa Úrsula, que nenhuma delas se perdeu e que todas se salvaram. Trata-se de uma linguagem ambígua, em que os termos converter, salvar e perder-se, frequentes em textos religiosos, saem dos seus lábios com um significado chulo.
O tipo está bem caracterizado mas Gil Vicente critica a prostituição e os seus agentes muito superficialmente. Nem sequer alude às causas sócio-económicas que impeliam as moças a prostituírem-se. O nosso dramaturgo faz uma crítica a nível popular, explorando o pormenor faceto e foge ou é incapaz de estudar os problemas que equaciona com uma certa profundidade.
 Mário Fiúza, in op. cit.

(extraído do manual escolar Com todas as letras - 9º ano, da Porto Editora)

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